AOS TRÊS: UM ÚLTIMO CASO
CAPÍTULO I
“Mais alguma coisa que possa me dizer sobre eles?”
Sete de Maio - Londres, Inglaterra - 5:00h
O cinza predominava a visão de perspectiva da rua. A chuva pesada, cai feito rocha e se desmancha no concreto dos prédios. Somente o garoto Harold, de catorze para quinze anos gritava a venda dos seus jornais protegendo-se debaixo do toldo de um comércio ainda fechado.
- Extra! Extra! Um crime terrível em Paris! O mundo em perigo?! Extra, extr..., ext... Santo Deus!
O garoto estava com os olhos cerrados por conta da chuva. Portanto, por um descuido e vontade de ir embora para casa e fugir daquela chuva, não tinha lido aquela chamada do Strand (o garoto sempre lia as manchetes principais e sempre entregava ao seu novo amigo).
Harold parou imediatamente a sua gritaria e suas vendas e atravessou a rua, entrou duas à esquerda e finalmente, entrou na rua correta. Bateu duas vezes na porta de entrada dos apartamentos e sem resposta alguma...:
- São 5:10 da manhã, Harold. - Pensou ele. Porém, sorriu e contando com toda a sorte para que estivesse aberta. Um movimento para baixo, um empurrão e estava dentro. Comemorou mentalmente e subiu as escadas até o segundo andar. Logo após o fim da escadaria de madeira e com um papel de parede terrível, de flores brancas, o cheiro insuportável de alguma mistura química nauseou seu estômago. Cobriu o nariz rapidamente e bateu na porta do apartamento. Bateu mais uma vez. Na terceira ele encostou-se na porta para não precisar gritar e sua voz atravessar a fenda.
- Está acordado!? Tenho uma notícia urgente! Acorde, por favor! - Dando leves toc's na porta com o dedo indicador.
- Por favor senhor Ho... - A porta destravou numa velocidade assustadora.
- Harold? Sabe que horas são? Não importa, pelo visto parece-me de extrema importância. - A voz penetrou o corredor e logo escondeu-se no apartamento de novo com o movimento da porta fechando.
A lareira acesa e toda a bagunça espalhada fizera com que Harold pensasse que realmente nada tinha mudado depois do acontecido.
- Pelo visto aproveitou bem a torta de creme e o Strand tem algo para mim, presumo (?).
- Como sabe da torta de crem...
- Ora, é bem simples. Não me faça explicar. Me diga o que houve com os seus irmãos e sobre o gato British que chegou à sua casa recentemente.
- Mas como o senhor faz isso? - Disse impressionado e ao mesmo tempo, tentando enxergar a mesma coisa que o fizesse levar tão claramente aquelas respostas.
- Novamente, Harold. As faculdades de um homem devem ser como uma mágica; se eu explicar, tudo se perde... inclusive, sua própria magia. Me diga, o que houve de tão urgente assim? - Com os cabelos mais ralos e os olhos fundos por conta das experiências que fizera (provavelmente por mais de uns 3 dias ininterruptos), sentou-se na poltrona ao lado da lareira respirando fundo. Dois segundos depois, agilmente pegou o cachimbo e acendeu. Mais fumaça tomou conta do pequeno apartamento; daquela vez, era um cheiro mais agradável.
- Leia. - Harold disse enquanto entregava o jornal.
- Preciso sair daqui o quanto antes. – Disse com o brilho nos olhos e com uma energia de um homem que descansou maravilhosamente bem. - Estão precisando de mi..., na verdade, não só de mim. Vamos! - Disse olhando fixamente o jornal. – Obrigado, Harold! Ah, Sobre a torta e creme: é possível notar uma pequena mancha na dobra da manga do seu casaco e nada é tão inconfundível quanto a tonalidade do creme da padaria em frente da onde vende os seus jornais. Entretanto, não parecia tão boa dessa vez, já que você pouco usou os guardanapos de papel que pegou por lá. Presumo que estava doce, doce demais pela forma como entrou elétrico e com a pupilas dilatadas no meu apartamento. O Gato é bem óbvio: sua calça tem marcas de pelo, pelo curto. Um cachorro? Não, nem sempre é tão “lindinho” à ponto de causar uma briga feia entre irmãos (as suas mãos estão bem machucadas e abaixo do seu maxilar está arranhado. Um arranhão de uma mão pequena, logo, um irmão mais novo) para ver quem vai dar comida ou água nas terças-feiras. Portanto, um gato é o mais provável, é claro. Um British Shorthair para ser mais exato. Preciso correr... – Disse entrando em seu quarto. – Até breve, Harold!
Seis de Maio - Saint Émilion, França.
Por aqui, tudo calmo e longe da grande mídia que invade a casa dos que querem saber de tudo antes de qualquer um. Num quase anoitecer, preparei-me para fazer as minhas rotineiras caminhadas noturnas. Porém, agora, felizmente sem Ministro D, sem rua Morgue e muito infelizmente, sem Ele para acompanhar-me.As ruas por aqui são estreitas e silenciosas, o atrito do sapato com os paralelepípedos é ensurdecedor e as escadarias de pedra, dão uma boa convencida de que ainda estamos na idade média. Assombrosamente bonito. Sem tirar o charme e a maravilhosa produção de vinhos Bordeaux. São realmente uma delícia! Em meio às minhas caminhadas, sempre paro para conversar em um dos bares por onde eu passo. Lá, o senhor Bittencourt, abre um sorriso e serve uma mesa à dispor e uma bela taça do melhor Bordeaux. Para ser sincero, é um hábito que tenho agora. Meus cabelos não dão sinal há anos e estou um pouco fora do peso, mas ao olhar para o meu amigo que servira a taça, os meus costumes parecem revigorar-me:
- As férias no Egito lhe fizeram muitíssimo bem, Bittencourt. - Sorri enquanto bebia o vinho esperando a reação dele.
- Vai começar com isso? Vamos lá então. - Puxou uma cadeira ao meu lado e jogou para trás das costas o pano de prato. - O que eu fiz lá, sabichão? - Disse ele com a boca cerrada e com muita vontade de rir ao olhar para a minha cara.
- Não me faça isso, Bittencourt. É evidente que, como um belo viúvo, você foi até o Egito para escavações e um encontro. Quando entrei percebi uma picareta no fundo da loja recém usada; a ponta do seu dedo indicador e a parte exterior do seu polegar está com algumas pequenas deformações, feitas, claro por alguma ferramenta; fora que o seu bronzeado está de menos para um caribe e de mais para uma passada na Itália banhar-se em suas praias. Juntando a picareta, seus dedos e forma como se bronzeou, deduzi o Egito pelas suas famosas escavações arqueológicas. - Dei mais um gole no meu vinho.
- Pare com isso! Eu ainda fico pensando se tudo isso está tão na cara assim?
- Claro que não. Mas o cartão do clube de arqueólogos estava em cima do balcão e eu nunca tinha visto isso com você. Estou velho, mas ainda eu enxergo, Bittencourt. - Sorri
com o seu rosto enfraquecendo-se de que não havia nada de surpreendente na minha
dedução.
- Mas e o encontro? – Perguntou-me cheio de intenções.
- Ora essa, não precisa dizer nada. A letra que descrevia um endereço além do que o
cartão apresentava como sede, é claramente de uma Dama... - Dei mais um gole. -, e que não
passa dos seus trinta e cinco anos pela firmeza como escreve e pela forma de como deseja
passar com capricho o seu endereço.
- O senhor é terrível!
- Eu quem diga, Bittencourt. - Sorrimos por alguns segundos e fomos interrompidos
pela porta do bar abrindo de forma bruta e indelicada para o horário.
- Ainda bem que o senhor está aqui! - Disse o meu vizinho com um pequeno
telegrama na mão. Juan, era um bom homem, mas as vezes eu me sentia incomodado com a
liberdade que ele acredita ter comigo. - Um homem estranho quase derrubou a sua porta, eu
escutei e disse que poderia entregá-lo ao senhor. Ele era louco, porque me disse que se eu
não o entregasse, ele viria atrás de mim. Como eu sei dos seus costumes, vim correndo até
aqui.
Olhei-o com desconfiança, mas li o telegrama. Na parte externa, escrito com uma
máquina de escrever - obviamente por uma Scholes & Glidden, pela forma como a tinta era
absorvida pelo papel – “AOS TRÊS - Primogênito”. Imediatamente, abri um sorriso
entendendo aquela referência sútil. Porém um sorriso daqueles que expressam felicidade e
ao mesmo tempo desespero. - Não é possível?! - Pensei comigo. Dobrei o telegrama,
guardei-o em meu bolso, agradeci o vinho e fui embora colocando o meu chapéu mais uma
vez. Determinado, como nos velhos tempos.
Dentro do meu escritório, mais tarde, enviei um telegrama para a Polícia Nacional
naquela mesma noite.
Sete de Maio - Saint Émilion, França - 6:45h
A minha bagagem estava pronta, chamei um Cabriolé e fui até a Gare de Saint Émilion e delá parti para Bordeaux Saint-Jean. O trem estava para sair às 8:00h, são mais ou menos umas
quatro horas até a estação de Montparnasse e um curto caminho -finalmente- até Vaigirard.
A mais próxima da sede principal da Polícia Nacional. Apesar de não gostarem muito de
mim em um passado não tão distante assim, acredito que seja o local correto para tal
especulação.
"Assento 5A". Sentei-me e servi o meu café, que de certa forma, era agradável.
Aproveitei a vista que a janela límpida me trazia e apenas desfrutei de enormes lembranças
enquanto tirava o meu chapéu e engolia os ovos fritos. O trem rasgava com gentileza
belíssimas cidades e cidadelas com um certo charme. Confesso que senti muito a falta Dele
para descrever os meus relatos..., entretanto, minha mente, enquanto escreve, de certa forma
continua ágil e trabalhando. Tenho de esquecê-lo.
Olhei o meu relógio uma última vez -9:15h-, aconcheguei meu corpo na poltrona e
peguei no sono.
Um certo tormento fez com que eu acordasse com os passageiros pegando as suas
malas. Os meus olhos ainda embaçados, enxergaram com dificuldade a placa de
"Montparnasse". Levantei, peguei a bagagem e saí do trem. Ao chegar no guichê principal
para algumas informações sobre o que acontecera de tão horrível na manhã do dia seis, fui
abordado por um homem alto, com os olhos verdes vibrantes e imberbe, parecendo que a fez
com uma guilhotina. Rapidamente verifiquei o uniforme -Policia Nacional- e ele disse o seu
nome olhando para todos os lados, imensamente desconfiado.
- Senhor... - Olhou-me como se já nos conhecêssemos e estendeu a sua mão. - Me
chamo Raol Edmond, sou o major da Policia Nacional e fico muito feliz que tenha vindo. -
A voz explodiu como uma bomba nos meus tímpanos, mas pareceu inaudível para quem
estava naquela loucura da estação principal.
- É um prazer, Raol. Preciso que me dê explicações sobre o...
- Por favor, não faça perguntas. Não aqui. Tome, pegue esse ticket e entregue na
recepção do Palais de I'Élysée. - Disse entregando um belíssimo envelope com um lacre de
cera do governo francês.
- Entendido. - Assustado e sem muitas perguntas, balancei a cabeça confirmando.
Virei as costas e fui até o local observando atentamente aquele envelope. -12:00h-
No caminho encontrei um Pub, lembrei do senhor Bittencourt e parei para beber uma
taça de Vinho. Só não contava que seria tão divertido observar a ordem e o caos ao mesmo
tempo num só lugar. -16:00h- O tempo passou e é melhor eu ir andando até lá para passar
essa tontura. -Riu sozinho-
Sete de Maio - Estação Londres, Inglaterra - 7:00h
Uma fumaça azul tomou conta da estação de Dover, no sul da Inglaterra e o Ferry-Boatestava prestes a desembarcar a caminho de Calais, na França. De lá, mais uma longa viagem
de trem até a estação principal -Montparnasse-. A ponta de cada dedo encostara-se umas nas
outras e em profunda reflexão o tempo passou como que por um segundo. Os pensamentos
giravam em torno do governo Francês, do seu irmão com forte influência política e claro
em...
- Watson?! Não! -Despertou empapado de suor. Fazia três dias que não conseguia
dormir e infelizmente, lembrou-se do seu grande amigo.
No banheiro do trem, lavou o rosto para espantar as alucinações e bateu contra a
parede de madeira fina com o freio do trem. Quase 16:00h.
- Bem, posso concluir onde devo ir. - Falou sozinho - Um escândalo nacional, me
leva somente para um lugar. - Abaixou-se, observou ao seu redor e seguiu a sua dedução,
perfeitamente intuitiva para o Palais de I'Élysée.
Sete de Maio - Palais de I'Élysée, Paris. - 16:30h
Em uma espécie de sala de espera, dois homens se olhavam como se estivessemestudando sobre o outro. Os olhares disparavam discretamente feito lasers ópticos, com uma
precisão incrível. Porém, antes de chegarem, já havia um rapaz por lá, que não passava dos
19 anos e com aparência estrangeira. Cabelos pretos e perfeitamente alinhado em sua
postura, o jovem estava batucando alguma melodia no estofado da poltrona.
Todos os olhares daquela sala desviaram-se e observaram atentamente Sadi Carnot,
presidente da França. Com a barba alinhada, porém espeça e um bigode penteado, o homem
desceu a escadaria com elegância, charme e calafrios. Um Oxford Eduardiano banhava com realeza todo o restante de sua veste.
- É um prazer, senhores. Por favor, queira acompanhar-me.
Parecendo um tour pelo Palais, Carnot não disse absolutamente nada e era possível escutar o sopro de sua respiração ecoar entre os pelos de seu bigode. O caminhar era longo e atravessamos uma espécie de jardim atrás do palácio e descemos uma escadaria de pedra com uma porta de madeira maciça e trancas de ferro fundido. Agora, temos Carnot, Raol (ele realmente é um homem rápido em suas ações), Jean Lamartine e uma mesa com um corpo coberto.
- Agora que temos os três, finalmente podemos dar início nesse tão inquieto e terrível caso. - Disse Jean dando passos para trás e descobrindo o corpo.
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-Paris, France.- |
Seis de Maio - Paris, França - 7:30h.
Uma manhã especial na capital, o centenário da Revolução Francesa e a grande Exposition Universelle (em sua 13ª edição) estava prestes a ser aberta.Sadi Carnot, estava aflito; seu bigode espeço e brilhoso balançava feito o ataque de um polvo, esbravejando e gesticulando ansiedade no pátio de honra, dentro ao Palácio do Eliseu.
Com passos firmes, escutados de longe, Jean -Corregedor Geral da Polícia Nacional- penetra o pátio com imponência. Os olhos firmes e azuis lustraram o piso de madeira. Carnot, num gesto de impaciência e alívio: "Deus do céu, homem! Quanta demora! Vamos, vamos!" -Falou enquanto puxava a sua farda-.
Em um Peugeot I, atravessaram o Rio Sena e rapidamente estavam no local de abertura da exposição.
Em frente a Champ-de-Mars e dentro do Châteu D'eau, o Salles des Fêtes (Salão de Festas) receberia com honra a abertura da exposição e claro, com a comemoração do centenário da Revolução Francesa; a torre Eiffel, com 318 metros de altura, era o centro de todas as atenções. Com o desenho original de Maurice Koechlin e Émile Nouguier, Gustave Eiffel, da Compagnie des Étabilissements Eiffel, apresentou os planos para a Société des Ingénieurs Civils em 1887, dando início à sua construção.
Arrumando o cabelo despenteado pela ansiedade, Sadi, foi anunciado e com palmas entrou no hall principal e começou seu discurso ao povo Francês e ao mundo representado ali, na exposição.
- Gostaria de paraben... -Um terrível barulho ecoou por todo o salão- Os convidados e representantes viraram-se para encontrar de onde poderia vir tal estrondo. Um grito ensurdeceu e aterrorizou todos presentes! Jean, de prontidão juntou seus homens a procura de algo suspeito, mas era tarde demais. Em todas as direções e possíveis saídas já estavam tomadas por toda a sua equipe e ele, particularmente viu de perto a desfiguração de um homem. Aparentando o auge dos seus 50 anos, a vítima -irreconhecível pela brutalidade-, estava com a face retorcida como uma barra de ferro fervendo e à sua mão, carregava um bilhete propositalmente colocado lá. Porém, antes de percebê-lo por completo, no paletó da vítima estavam as iniciais 'G.E.'. Jean coçou a cabeça mentalmente, ignorou por ora e cuidadosamente puxou o bilhete das mãos rígidas da vítima. A princípio o bilhete gelou sua espinha, pois não acreditava que existissem tais fatos, quanto mais, tais pessoas.
Carnot atravessara a multidão de encontro com Jean. Abalado pelo que lera, Jean entregou às mãos, o bilhete ao Presidente que o leu e releu o mesmo. Olharam-se e nada vos chegava em suas mentes a não ser o silêncio sobre o incrédulo. Na manhã seguinte, o bilhete veio à tona e os principais jornais tinham em sua Primeira Capa, uma cópia com as exatas palavras escritas no pedido exacerbado de um louco assassino:
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