As vezes, as nossas inspirações vem dentro dos lugares mais loucos e dessa vez veio dentro do ônibus, na triste e cansativa volta pra casa. Com a cara fechada e um tanto quanto irritado. Eu meio que dei uma cambaleada e vi tudo isso. Não pensei duas vezes e já escrevi. Novamente, espero que gostem. Bons sonhos também. :)
A CAVERNA
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- G. Doré - |
Senti um frio percorrer todos os poros da minha pele. Minha cabeça explodiu quando fiz esforço para levantar, quase como uma pressão de alguém muito forte apertando os meus ouvidos. Meu corpo pulsava intensamente como se alguém abrisse os braços com toda força em um local apertado. Abri os olhos respirando fundo e o cheiro me deixou atordoado e uma ânsia veio como um soco num vácuo. Nada, além de água e amargor.
Toquei a parede úmida, parecida com a de um calabouço dos filmes de terror ou de tumbas descritas por Lovecraft. O gotejo ecoava nas paredes incertas e baixas daquele lugar que eu nem imaginava onde ficava. O barulho de um rastro fez eu virar minha cabeça rapidamente e minha respiração sumiu por segundos que não consegui imaginar quanto tempo durou. Minha pupila dilatou e comecei a tatear a parede e a andar com a ponta do pés, fora a respiração baixa que me fazia tremer a cada passo.
Ouvi novamente aquele barulho, mais perto desta vez e ecoou como um grito de tormento que fizeram meus músculos se retraírem quase que por instinto e o andar despreocupado(como se o 'coisa-que-mora-nessa-escuridão' não precisasse se preocupar com os caminhos) aproximou-se cada vez mais e meus ouvidos captaram uma leve curva à direita que o desviou de onde eu estava.
Devagar, o acompanhei, e no fim de um corredor onde eu pisava em mucos e nas imperfeições do terreno, enxerguei uma luz fraca e pálida que dançava em sombras tenebrosas nas paredes. Encostei-me e meus olhos queimaram ao chegar perto da luz e enxerguei o que nunca imaginei; uma criatura, uma criatura desforme e com uma pele flácida e pegajosa como a de um humano por muitos anos embaixo d'água. Ela estava de pé à frente de um balcão de cimento liso e os movimentos que a criatura fazia refletia na parede juntamente com a luz da vela que agora, pude ver melhor. A mobilidade lenta e aparentemente grudenta eram sexuais e horripilante, um vai e vem seco, sem expressão, entretanto, nada foi mais perturbador do que olhar pra baixo e ver que a vítima do monstro estava com os braços e pernas abertos, inclusive sua garganta que jorrava sangue como um chafariz das fontes de Florença. O olhar vazio de quem foi entorpecida por ervas naturais fez com que o efeito da droga a fizesse sorrir enquanto definhava lentamente e perdia a cor da sua pele.
Numa sincronia de uma ópera fúnebre, a criatura pareceu terminar junto com o último batimento cardíaco da vítima. Entrei em desespero e não conseguia gritar, mas sentia a minha voz prestes a ensurdecer qualquer um naquele submundo. O medo tomou meu corpo e entrei em pânico, chorei desesperadamente e comecei a ouvir vozes de desespero. Até o momento em que engasguei como se um tubo me sufocasse por anos. Meus olhos abriram o máximo que puderam e antes do globo saltar da órbita, vi e paralisei. Pessoas desconhecidas dizia um nome no qual não imagino de quem era, talvez fosse o meu; "- Será? Onde eu estou?" Respirei fundo e não me lembro de mais nada. Só sabia que estava em uma cama de hospital. Afundado e sentindo um ardente formigamento.
Passaram-se dezesseis anos desde que estava preso naquele local(me disseram que esse foi o tempo que fiquei 'desacordado'), hoje entendo o meu trauma, estava tudo dentro da minha própria mente e essa foi a única vez que lembrei de tudo. Juro que é assustador. O nosso medo é criado por nós. O meu e o seu medo está aí, bem do seu lado, aliás, na verdade está muito mais perto do que você imagina. Não dê tempo à ele.
-bittencourt-